As forças que se amalgamam e turbinam a complexidade de Mato Seco em Chamas (Adirley Queirós e Joana Pimenta, 2022) se expõem em cenas como a do churrasco das gasolineiras, no intervalo de trabalho no “lote”. O mote ficcional – que revisita (e desvia) um tema histórico, aquele do “petróleo é nosso” – é matriz, no filme, de uma visualidade complexa: Chitara, Lea, Andréia e outras parceiras trabalham no desvio e refinamento clandestinos de petróleo, a partir da perfuração de um oleoduto subterrâneo no Setor Habitacional Sol Nascente, conhecido como a maior favela do Distrito Federal. O investimento cênico é pesado: no lote das gasolineiras há uma torre de observação e um ‘cavalo-de-pau’ (artefato para bombeio mecânico do petróleo), entre outras traquitanas, maquinário presente em várias cenas, signo por excelência da invenção ficcional (com suas particularidades, decerto).
Depois do trabalho intenso, máquinas paradas, Andréia comanda o churrasco da gangue, ocasião para cerveja e conversa solta, na qual as memórias das gasolineiras dão o tom. Entre risos e provocações, Lea e Andréia relembram histórias da Colméia, prisão feminina do DF onde se conheceram. Nesta e noutras cenas, o filme da gangue fora-da-lei, apoiada pelos motoboys e ameaçada pelas milícias de direita, é infiltrado por situações de diálogo e testemunho, nas quais as rememorações das atrizes informam a construção das personagens de mesmo nome – tal como vemos, guardadas as diferenças, em A cidade é uma só? (2011), Branco sai, preto fica (2014) e Era uma vez Brasília (2017). As lendas das gasolineiras de kebradas se produzem “entre o vivido e o imaginado” (BRASIL, 2014), e as situações de conversa entre mulheres – muito fortes – trazem à cena experiências femininas pouco visibilizadas, na periferia de Brasília e da História.
Se há muitos pontos de contato com os filmes anteriores, Mato Seco renova a filmografia de Adirley Queirós (em parceria, aqui, com Joana Pimenta) pela aposta mais contundente em cenas de conversa e, claro, pelo protagonismo feminino, trabalhando memórias de personagens ceilandenses ainda mais marginalizadas: mulheres, periféricas, negras (em sua maioria), suas histórias de crime e cadeia, assim como seu imaginário, desejos e projeções, desenham uma experiência que – não sem opressões e tensões – se desvia do “lugar da mulher” normativamente traçado (como propomos discutir adiante). A cena do churrasco justapõe, sem discriminá-los, os dois principais motivos de Mato Seco (dramatúrgicos, mas não apenas): a apropriação do petróleo na/pela periferia (ficção mais deliberada, trazida pelos diretores) e as memórias de crime e cadeia (enraizadas na experiência das atrizes).
Diferente da ficção da “bomba sonora” em Branco sai, preto fica (resposta à violência policial sofrida por Marquim e Shokito, no passado), o mote do petróleo não nasce das memórias traumáticas das atrizes – algumas delas encontradas posteriormente, no processo de realização do filme. Isso parece ter consequências narrativas em Mato Seco, cujas linhas se ramificam. Apresentadas mais no cotidiano de trabalho, nas pausas e intervalos do que em momentos dramáticos de ação, enfrentamento e clímax, as atividades da gangue de gasolineiras são ainda mais descontinuadas (ou mesmo suspensas) pelas memórias das atrizes (momentos em que a construção das personagens se adensa). O motivo do cárcere ganha força, e dele se desdobram outros caminhos para a ficção: sobretudo, a candidatura de Andreia para deputada distrital pelo Partido do Povo Preso (referência explícita ao primeiro longa de Adirley, no qual Dildu concorria às eleições pelo Partido da Correria Nacional). Além disso, enquanto o petróleo motiva a exploração cênica de engenhos e artifícios da quebrada (as protagonistas extraindo força da precariedade e do improviso), o motivo da “prisão” é matriz de uma figuração mais tácita, trabalhada sobretudo em termos temporais.
Chitara trabalha no lote das gasolineiras (foto: Joana Pimenta)
Pois é certo que todas as situações – a extração e refino do petróleo no lote, o trabalho na olaria, a campanha política ou a interação com os motoboys que compram combustível das gasolineiras – motivam uma construção visual primorosa, um dos traços fortes do filme. A câmera fixa, muitas vezes distanciada, se detém sobre as ações e pausas (para o cigarro) de Chitara, Lea e Andréia, em cenas com poucas falas, numa “etnografia da ficção” (como os diretores têm reivindicado) que prima pelo rigor do trabalho fotográfico de Joana Pimenta e insufla duração ao inscrever gestos de trabalho e espera. As situações, variadas, se aproximam no estilo, marcado pela contemplação silenciosa, pela desdramatização, pelo tempo que não se escoa bem, “empoçado” em cada sequência, sem funcionalidade narrativa precisa. A atmosfera de imobilismo, de espera, se repõe.
Assim, a despeito das referências a filmes (a série Mad Max, sobretudo, cuja segunda parte gira em torno da luta sangrenta por combustível) e a gêneros (ficção científica, faroeste, filmes de gangues e de perseguição), a dinâmica narrativa é esgarçada e elidida em Mato Seco, para dar lugar a uma temporalidade dilatada e disfuncional, a certa atomização e autonomia de cenas e situações – que valem por si, tanto pela sondagem e construção documental (caso do culto na igreja evangélica ou da manifestação verde-amarela em apoio a Bolsonaro), como pelo primado da visualidade e/ou da música (em chave instalativa e performática, caso das cenas que se passam no interior do “Brasil Avante 3”, carro/bunker da milícia; das imagens de Andreia em campanha, cantando o jingle com outras mulheres sobre um carro de som; ou mesmo daquelas, com algum peso narrativo, que elaboram as relações entre as gasolineiras da kebrada e os motoboys).
Alguns segmentos, na articulação entre motivo e mise-en-scène, parecem criar parâmetros figurativos próprios. As situações com os motoboys, para quem Chitara e seu grupo vendem combustível mais barato (cobrando um percentual para cada entrega que realizam), se caracterizam pelos planos noturnos fixos e distanciados, que destacam as luzes da quebrada ao fundo, as coreografias coletivas dos figurantes sobre duas rodas (marcadas pela densidade da luz dos faróis atravessando a poeira levantada do chão), o impacto do fogo (signo extremamente presente no filme). Os planos gerais, que mantêm os motoboys na condição de grupo, contrastam com a sondagem subjetiva das protagonistas, nos fortes retratos em close elaborados em Mato Seco. Presentes em diferentes tipos de segmentos, os retratos se autonomizam e parecem valer em si mesmos.
Retratos de Andréia e Chitara (foto: Joana Pimenta)
Pois o protagonismo de Chitara, Lea e companhia, gangue de mulheres que mantém dezenas de homens como fregueses e aliados, fabula uma liderança feminina na contravenção que contrasta com as estatísticas sobre as mulheres presas e condenadas no DF (caso de Lea, atriz e personagem). Mais de 60% das mulheres encarceradas no Brasil foram presas por tráfico, atividade em que ocupam, de maneira geral, as posições mais expostas, vulneráveis e mal remuneradas – sendo, em sua maioria, mães e provedoras, “inserem nas margens de sua sobrevivência trabalhos considerados ilícitos” de modo a “exercer simultaneamente papéis produtivos e reprodutivos” (CHERNICHARO & PANCIERI, 2014). A criminologia feminista fala não apenas em “hiper-encarceramento”, conceito de Waquant (2014) especialmente pertinente para a situação das mulheres, mas em “hiper penalização” – muitas delas parecem condenadas não apenas pelo suposto crime que cometeram, mas por um julgamento moral que rechaça comportamentos desviantes do padrão “feminino” socialmente prescrito.
Recorro a esse parêntese informativo para sublinhar como o filme contraria a invisibilidade, os estigmas e a suposta subalternidade dessas mulheres, ao promover – com seu mote ficcional – uma visualidade que as centraliza e destaca. O motivo nacionalista “o petróleo é nosso” (que remonta às décadas de 1940/50, mas foi atualizado pelas disputas em torno do pré-sal) é desviado pela apropriação periférica da riqueza (“o petróleo é de nóis”, como lemos na bandeira da gangue), numa ficção especulativa que se posiciona na periferia da periferia (a favela do Sol Nascente) e faz das mulheres as detentoras da gasolina. Sobre a torre de vigilância do lote, Andreia, ex-presidiária, projeta-se sobre toda a quebrada, até onde a vista alcança, numa imagem memorável. Nas cenas de conversa entre elas, o protagonismo de Lea, Andreia e Chitara garante que suas vivências (familiares, de rua e de cárcere) se apresentem liberadas da sujeição estrutural e das malhas do Estado, para se afirmarem como potência (“sou catimbeira sim!”), o desvio da norma como possibilidade de invenção, riso, desobediência, resistência e (alguma) liberdade.
Cena de conversa entre Lea e Chitara (foto: Joana Pimenta)
O que vale sobretudo para Lea, cujas histórias recentes na Colméia são lembradas entre risos, provocações, afirmações de si. Na cena do churrasco:
– Ei, Lea, dá ideia... Na cadeia, tu lembra? As donas te chamavam de Wesley Safadão. (ANDREIA) – Ah, era, mas era por causa do cabelo, era quando o Wesley Safadão tinha o cabelo grande. Mas tá ligada que eu representava, né? (risos) Só na minha cela era três mulher que eu tinha, fora as das outras celas... Era mulher demais, moço, era rodízio de mulher todo dia. (LEA) [...] – Só as dona lá cantando funkzão, e tinha uma chácara lá embaixo, né, Lea? O som vinha lá dentro da cadeia, e nós dançando, era funk, era tudo, era massa demais, velho. Assim, não era massa tá lá, mas era massa que a gente levava a cadeia nos peitos (ANDREIA).
O desvio pode ser estendido à narrativa fílmica. É como se a força das protagonistas cavasse linhas de fuga no interior da ficção, liberando-as de códigos e regras narrativas, abrindo espaços que são “só delas”. Caso da cena do churrasco e de outras conversas entre mulheres, da situação com Andreia no culto evangélico, do baile funk (e da pegação) no ônibus, ou mesmo da apresentação da banda Muleka 100 Calcinha – o filme persegue as linhas de fuga traçadas pelas atrizes/personagens, inventando com elas intervalos, parênteses, formas de viver o tempo que, se parecem figurar tacitamente o tempo que sobra no cárcere, são também maneiras de restituir a Lea, Andreia e companheiras o tempo que foram obrigadas a “perder” na prisão.
Pois é entre encarceramentos que se dá a presença de Lea no filme, cuja narrativa – assim, esgarçada – se alterna entre a sua volta ao Sol Nascente (depois de uma temporada de 8 anos e 11 meses na Colméia) e o momento, anterior, quando – recém-saída de outra “tranca” – se junta às gasolineiras da kebrada, mas acaba “rodando” novamente. Nos primeiros momentos após o título, vemos Lea em casa, atenta à filha mais nova, e preocupada com o mais velho, que sua mãe acabara de visitar na cadeia. “Foi uma fita louca, minha irmã fez história”, ela narra para a câmera/espectador, neste começo, como que instaurando a rememoração do passado – que, contudo, já se iniciara no prólogo. Como nos filmes anteriores de Adirley, resulta uma construção temporal complexa: cenas do presente e do passado das gasolineiras se justapõem sem didatismo. A montagem de Cristina Amaral contraria a linearidade da História progressista, multiplicando linhas de fuga, idas e vindas, avanços e regressos temporais. No reencontro de Lea com Cocão, seu meio-irmão e líder dos motoboys, eles comentam como o Sol Nascente “tá diferentão”: “Isso aí agora é tudinho território federal (...) Vai derrubar isso aqui tudo pra fazer um presídio novo, grande”.
Assim, as especulações distópicas, em Mato seco, se concentram sobretudo em torno do encarceramento, principal política de contenção e controle dos pobres (especialmente das mulheres) no “futuro” (já presente) que o filme desenha. Como em Branco sai, preto fica, há toque de recolher na quebrada, e sua abolição é uma das pautas da campanha de Andréia Vieira para distrital – além da criação de linhas de ônibus para os presídios (de Colméia e Papuda) nos terminais do Sol Nascente, e da instalação de urnas para que os “provisórios” possam votar. Os motoboys, principais apoiadores da campanha (financiada por petróleo desviado), também são contemplados no programa da candidata, que promete legalizar os mototáxis. Tem forte impacto visual os planos de Andréia em campanha, sobre a moto, seguida por dezenas de motoqueiros. A “motociata”, signo do bolsonarismo, é apropriada e também desviada nessas intervenções, sobre o chão de terra batida da favela, sob a liderança de uma mulher (“a voz quem dá aqui é ela”, para falar como Lea, referindo-se a Chitara) e com o endosso de motoboys periféricos (emblema da precarização do trabalho no Brasil).
Campanha de Andréia para deputada pelo Partido do Povo Preso (foto: Joana Pimenta)
As referências ao governo de extrema direita não são só indiretas. À cena mais estruturada da campanha de Andreia Vieira pelo PPP (com carro de som e motociata) é justaposta a única sequência do filme que se passa no Plano Piloto, documentando de dentro uma manifestação verde-amarela de apoio a Bolsonaro em 2018. O foguetório de sua vitória no segundo turno é visto e ouvido do alto da torre, por Andreia, na quebrada silenciosa. O fascismo – que emana do centro de Brasília, lócus do poder – não é extrapolação: são imagens documentais que inserem o contexto macropolítico no filme (a realidade mais distópica que se poderia imaginar). Mote para a irônica invenção de uma milícia armada (a missão “Brasil Avante 3”), que circula em um carro/bunker pelas ruas da quebrada, com drones e outros aparatos de hipervisibilidade, os “homens de bem” no combate à “subversão” periférica.
Cada grupo em seu bunker, apresentados em paralelo, sob a ameaça do outro grupo, a figuração do isolamento parece se impor sobre o “crescendo” dramático: o enfrentamento entre a milícia e as gasolineiras é adiado e, quando se dá, no final do filme, é desdramatizado. Trabalhados em relação com a narração de uma carta de Lea, do presídio, para Chitara, os planos da tomada e destruição do bunker da milícia pelos motoboys aparecem distanciados (em sentido brechtiano), a melancolia vazando sobre o esvaziamento do clímax, como se até a feitura do filme já pertencesse ao passado. A força das atrizes/protagonistas, de suas vivências e memórias, se impõe, espraiando-se sobre a narrativa: o vivido parece tomar de assalto o imaginado.
No plano noturno, o rosto de Chitara, a líder das gasolineiras da kebrada, se destaca uma vez mais, forte, grave, enigmático. Um pouco de sua história aparece em cena anterior à segunda prisão de Lea, em longa conversa com sua meia-irmã (a mais bonita do filme):
Quando eu era pequena, eu dei um trabalhozinho pra minha mãe. Pequena assim, quando eu tava com uns 15, eu já era mãe já... Eu era meio atentada. Esse mundo do crime é foda, ele te arrasta cabuloso. Às vezes tu não quer e pá... é envolvente. E aí eu dava altos perdidos, saía na quarta, chegava no domingo. Só que o meu filho eu nunca abandonei não. (CHITARA)
O crime arrasta, é envolvente... A segunda prisão de Lea faz com que o filme se abra ao próprio processo, a ficção tragada pelo real. O que pode um filme frente à força “envolvente” do crime (e da sujeição criminal de mulheres pobres), que “arrastam” Lea e Monica, presas durante o processo de realização? Embaralham-se de modo inaudito o vivido e o imaginado, e já não sabemos qual vem primeiro. Em sua carta, narrada da cadeia (ficção?), Lea diz que as histórias chegam “dentro das muralhas”, e que todo o DF encarcerado conhece “a lenda de Chitara, a rainha da kebrada, a lenda das gasolineiras”. O último plano do filme, em travelling, dá sequência à imagem de Lea na garupa de Cocão, recém-saída da segunda “tranca” (segundo a narrativa), plano que vimos ainda na primeira parte de Mato Seco. Retornada e seguida por dezenas de motoboys, percorrendo o chão da quebrada, a imagem de Lea na garupa da moto – que avança em nossa direção – encerra o filme, reverberando a última frase de sua carta (“Eu tô voltando”), (re)embaralhando tempos e abrindo-se ao porvir: entre o vivido e o imaginado, a lenda se vitaliza – de boca em boca, de coração em coração.
Currículo
Claudia Mesquita
é professora do curso de graduação e do programa de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde integra os grupos de pesquisa Poéticas da Experiência e Poéticas femininas, políticas feministas. Pesquisadora do cinema brasileiro, com mestrado e doutorado na ECA-USP. Realizou pós-doutorado na UFC, desenvolvendo o projeto "O presente como história -estéticas da elaboração no cinema brasileiro contemporâneo".
Notas
- Aproprio-me com liberdade da expressão presente no excelente artigo de André Brasil, “A performance: entre o vivido e o imaginado” (2014). Agradeço a Aline Portugal, Junia Torres e Luiz Fernando Coutinho pelas leituras agudas e generosas, que me ajudaram a ver melhor e adensar minha relação com o filme.
- “A ficção científica pode ser um desejo de uma certa classe, pois as classes também desejam sentimentos futuros. Para mim, o Mato Seco é uma lenda. A personagem principal falava muito das lendas. A Lea disse: ‘Vocês me transformaram em uma lenda. Daqui a 40 anos, os meus netos vão olhar isso e dizer que eu era uma lenda’. Ficção científica [...] é criar lendas.” (Adirley Queirós, em entrevista ao site C7NEMA). Disponível em: https://c7nema.net/entrevistas/item/110303-uma-camara-colocada-na-rua-no-brasil-de-hoje-e-isso-futuro-diz-adirley-queiros.html
- Lembremos de Branco sai, preto fica: em sua vingança, os protagonistas reúnem elementos e atributos periféricos, extraindo força da precariedade e do improviso, como tematizado por Vitor Zan em sua tese de doutorado (2019): montam uma “bomba sonora” composta da mixagem de rap, música brega, clamores populares de rua, entre outros sons de Ceilândia. Lançada contra o Plano Piloto, a “bomba” devolve ao centro a experiência dos pobres, dele extirpada.
- Devo inteiramente a Luiz Fernando Coutinho este caminhar do argumento, a partir da associação feita por ele entre Mato Seco em Chamas e o comentário de Serge Daney a Witness (Peter Weir), no texto “Isto é cinema”. Escreve Daney: “Hoje, um filme ‘de cinema’ talvez seja isso: deixar as pistas batidas das autoestradas e seguir de novo os caminhos que bifurcam, mesmo aqueles que levem a lugar algum ou que tragam você de volta ao ponto de partida. Perder tempo para ganhar tempo, inventar o tempo perdido.” (grifo e tradução nossa). Disponível em: https://sergedaney.blogspot.com/2017/08/thats-cinema.html
- Motivo já presente em Era uma vez Brasília, como escreve Tatiana Hora (2020, p.108): “Era uma vez Brasília alia o testemunho de Andreia Vieira à encenação que mostra a polícia vigiando constantemente os passos da personagem, criando um espaço em que a prisão é o modelo de controle dos corpos interditos, produzido através da vigilância ininterrupta e do processo infinito (mesmo em liberdade, Andreia Vieira jamais deixa de ser uma ‘presidiária’ auscultada pelo Estado, tendo que comparecer à noite na porta de sua casa ao chamado da viatura). A diegese distópica radicaliza o controle que o Estado exerce sobre as populações da periferia, ao fabular uma assimilação entre o espaço da cidade e a prisão”.
- O desvio, em sentido debordiano, talvez seja o conceito/procedimento-chave para a compreensão de Mato Seco em Chamas. Dialogo, aqui, com a pesquisa de Tatiana Hora, que pensa os filmes anteriores de Adirley Queirós nessa chave, em sua tese “Utopias de Brasília no cinema: o desvio contra a arquitetura e a história” (PPGCOM/UFMG, 2019). Como escreve Hora (2020, p.101), “diferente da citação, que respeita o original e sua autoria, no desvio o choque entre diferentes mundos sensíveis ressignifica o original”.
Referências
CHERNICHARO, Luciana & PANCIERI, Aline. Encarceramento feminino, seletividade penal e tráfico de drogas em uma perspectiva feminista crítica. Trabalho apresentado no VI Seminário Nacional de Estudos Prisionais. Universidade Federal do ABC, 2014.
HORA, Tatiana. Utopias de Brasília no cinema: o desvio contra a arquitetura e a história. Tese de doutorado. PPGCOM/UFMG, 2019.
______. Corpos interditos em Era uma vez Brasília. Doc On-line, n. 28, p. 97-116, set. 2020.
MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, Revista de Cultura e Política, 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-64452010000100003
WACQUANT, Loic. Marginalidade, etnicidade e penalidade na cidade neoliberal. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 26, n. 2, p. 139-164, 2014.
ZAN, Vitor. Habiter la ville, faire territoire: une prise de position du cinéma brésilien (2005-2017). Tese (Doutorado em Études cinématographiques et audiovisuelles). Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, 2019.