Depoimento de Andrea Tonacci [excerto]¹

…Na verdade, começa assim: eu tinha filmado com o Daniel pequeno um material em um sítio que a gente tem, e naquela época eu precisava de alguém para me ajudar a montar. E o Carlão me apresenta a Cristina, que era uma aluna que foi assistente dele, era montadora de todos os filmes dele, e ela passou a me ajudar em uma primeira fase de montagem de coisas que eu estava fazendo. Tanto que esses documentários [Biblioteca] Municipal... são desse período, e são montagens todas dela. A gente passa a fazer uma associação, ela tinha a empresinha dela, eu tinha a minha, e a gente aluga um lugar e usa o nome da Extrema (...). Então, essa é a forma que eu conheci a Cris. E a aproximação é um tempo de anos, leva anos, ao mesmo tempo se separa, então não sei.  Essa ponte é delicada, e a partir daí nós estamos juntos desde então. Mas ela vem montando todos os filmes que eu tenho feito, só agora, talvez, se eu for montar essa série de coisas a gente vá trabalhar com outras pessoas. 

Então, assim, eu acho que a intimidade afetiva e a intimidade do cotidiano de trabalho, de relações etc., faz com que exista um certo conhecimento do outro, que quando você vai montar um filme seja capaz de reconhecer sentimentos ou coisas assim que às vezes são difíceis para você expressar para pessoas que são montadoras que você está cruzando pela primeira vez. Ou serem reconhecidos por montadores que você está encontrando pela primeira vez. E eu sei que, por exemplo, em toda fase de pré-produção, de preparo etc, eu participo muito, até chegar mesmo em uma espécie de montagem já ordenada. Mas na hora do aperto final fica na mão dela, porque eu só consigo me aproximar mais conceitualmente e não visualmente, no sentido de dizer tira isso aqui, ou tira aquilo ali, e põe lá. Eu vou até um ponto, mas a partir daquele ponto ali é alguma coisa que eu não sei dizer como que isso é reconhecido. Mas eu sei, por exemplo, que se de noite, meia noite, quando paramos de montar o filme, estava com uma hora e 50, quando eu me dou conta, a Cris foi dormir às três e meia da manhã. E de manhã a gente volta a assistir, eu assisto e não me dou conta que ela tirou fora dois minutos, por exemplo, do filme. De onde saíram dois minutos? Então, assim, tem esse tipo de olhar que consegue ir para a essência, e é aí que o filme começa a fluir mesmo, começa a ter uma fluência por si só, ele vai te dizendo onde ele entope, onde engargala, onde tem que alinhar, onde tem que... E aí passa a ser quase uma limpeza e pronto, aí o filme está realizado. Então, eu acho que isso tenho que agradecer porque os trabalhos com ela têm sido feitos assim.

[...]

Já Visto Jamais Visto (...) é o primeiro trabalho que eu faço sem nenhum roteiro a priori, eu nem sabia o que tinha nesses rolos todos, para dizer a verdade. Alguns eu sabia, a maioria não. Então, o que eu faço é pegar uns papéis, meia folha assim, e esboçar em meia folha exatamente os itens que tem em cada dos pequenos temas desses materiais, desses rolos, no Super 8, 16mm, 35mm... Um monte de coisinhas separadas. E começo um pouco a fazer um jogo de xadrez em cima de uma mesa, e colocar juntos para ver... Isso aqui, ali, aqui... Vai indo até que alguma coisa começa a fazer sentido e se monta uma estrutura no papel. Então tá Cris, vamos botar nessa ordem para ver se isso funciona. Então a gente ordena essa hora de material que tinha reservado para isso nessa ordem, mas não bate, não funciona, tem alguma coisa que ainda não vai. Então, eu volto, fico mais três dias lá fuçando o dia inteiro detalhando mais, dividindo em partes menores... Eu sei que foi uma montagem feita em uma semana no papel em cima de uma mesa comprida. O Já Visto foi montado assim. E depois, obviamente, montado fisicamente na máquina. E na segunda montagem, na segunda reordenação, a coisa se encaixa, e aí ela consegue ter a fluência que o filme tem. Só que aí a gente é obrigado a cortar o excesso até 70 minutos, que era quanto a gente queria fazer para chegar nos 54. E aí é isso, a gente chegou nos 54 apertando cortes e apertando… Mas ele ficou inteiro, ficou inteiro.

Notas

  1. Trecho de depoimento de Andrea Tonacci concedido em 1 jul. 2016 para o projeto “Memória do cinema documentário brasileiro: Histórias de Vida” vinculado ao CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entrevistadores: Adelina Maria Alves Novaes e Cruz, Thais Blank, Arbel Griner e Telena Teles. Os trechos aqui reproduzidos estão disponíveis entre as páginas 43-45 do arquivo original. Fonte: TONACCI, Andrea. Andrea Tonacci (depoimento, 2016). São Paulo, SP. 47 pp.  Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/entrevistados/andrea-tonacci. Acesso em: 9 out. 2024.