Nós estamos no tempo do sentido, nesse momento agudo da consciência no qual prever toma o lugar de ver, os signos parecendo designados antes mesmo de terem designado, as imagens esfumadas, quando não obscurecidas e enganadas pelas mensagens. (Trata-se aqui, claro, apenas de imagens sonoras e falantes, visíveis e audíveis: e de quais outras imagens poderia se tratar, visto que hoje é um mesmo gesto que desencadeia e põe a funcionar, em duas bandas síncronas, a imagem e o som, e um mesmo que também as desenrola em projeção?). A Chinesa – é preciso acabar com a lenda cômoda de um Godard desordenado e confuso – começa dizendo que fora das imagens não há nenhum caminho para as ideias, e que, em todo caso, estas não são o caminho para chegar àquelas, mas o inverso.
Um primeiro olhar sobre o filme revela uma relação inversamente proporcional entre a profusão de ideias que nele se dizem, escrevem ou agitam, e a sobriedade das imagens que as apresentam, o número relativamente pequeno de cenas e, em cada uma, a frágil quantidade de coisas mostradas. Poucos cenários e poucos elementos de cena nesses cenários. Poucos movimentos fora e na imagem, poucas cores, como se a vontade não de preencher, mas de esvaziar a cena, a imagem, a tela, houvesse presidido a composição formal do filme. Imagens quase nuas, palavras como que despidas da linguagem, ditas e repetidas mais por si mesmas e por sua sonoridade do que por seus significados, palavras flutuando ao largo em imagens desertas. E, no entanto, destas ou daquelas, e de suas relações – simples na medida em que, os parâmetros sendo pouco numerosos, seus cruzamentos são precisos –, o que se destaca é a impressão de uma avalanche paradoxal de significados e mensagens. A tal ponto que, ao ler as críticas sobre o filme (do Figaro ao L'Humanité nouvelle), parece que foi através de um caprichoso caleidoscópio que ele foi, se não realmente visto, ao menos notado e, não obstante, interpretado. Pois não somente as leituras divergem quanto aos fatos e gestos das personagens, mas esses próprios fatos e gestos variam de acordo com as leituras... Que a confusão tenha se instalado em todo lugar, não há dúvida. Mas o mesmo pode ser dito sobre o filme, esse filme que de imediato nos dá, como por precaução prévia a toda leitura, a advertência, inscrita no centro de seus primeiros planos, de que é preciso “confrontar as ideias vagas com imagens claras”?
Imagens nítidas e ideias embaçadas... Como se fosse possível, como se precisamente A Chinesa não fosse o filme em que a nitidez da imagem, uma após a outra, torna e faz necessariamente nítida toda ideia... Pois ao nos debruçarmos sobre a imagem, estrita e pura, transparente e precisa, clara como nunca antes pela luz habitada do cinema, ao nos debruçarmos sobre a imagem calma, decantada e lavada de toda suspeita de sombra, é à nudez da ideia que chegamos infalivelmente.
Seria a imagem, aqui, a projeção não de uma imagem preexistente, já filmada e conservada em recipientes de vidro (não sem desperdício de qualidade) para ser exibida, mas, antes, a projeção instantânea de uma ideia tão logo surgida e capturada – antes mesmo que ela deixe traços – no feixe luminoso que a achata sobre a tela? Ou, melhor, não seria dessa imagem que a ideia nasce? Eis a questão central de A Chinesa. Devemos acreditar nas imagens do cinema: Guillaume desfazendo suas bandagens à semelhança de um estudante chinês que desfaria suas bandagens não para convencer seu auditório – nível da primazia das ideias –, mas para mostrar precisamente que sob a máscara das ideias, a camada do pré-concebido, há uma zona lisa e nítida da representação, da imagem, que é em si mesma sua própria metáfora, assim como, para Guillaume, juntar o gesto às palavras – isto é, atuar – seria a metáfora do teatro? Ou as ideias: a análise de Henri, por exemplo? Ao acompanhar seu discurso e suas explicações, surge a impressão de um certo percurso cumprido: de ideia em ideia, ao longo de suas frases, nos encontramos revisitando o filme e sobrepondo-lhe um novo desdobramento de significações. Ora, e quanto à imagem? Fixa, estática, ela contradiz muito concretamente a própria possibilidade de um passo a passo. Assim, efetivamente, o filme observa um tempo de pausa cuja consequência é, em primeiro lugar, “congelar” o discurso de Henri, e, em seguida, talhá-lo do sentido que ele confere a si mesmo – o de uma revisão, de um movimento crítico – para voltar a lhe atribuir o sentido que, no contexto da globalidade do filme, é o único que ele pode ter: o de uma estagnação. Vemos, aqui, a ideia sendo dominada pela imagem sem sabê-lo.
A partir de então, seja pelo fato das camadas uniformes de cores, do branco das paredes, tal como o do quadro a ser pintado ou da página a ser escrita ou da tela que se assemelha a um ou a outra; seja por essa luz cênica que banha uniformemente o espaço filmado, privando-o assim de profundidade de campo, conduzindo-o às duas dimensões da própria tela (os únicos movimentos sendo de entrada e de saída em um plano lateral: lado do pátio ou do jardim), essa luz que parece não estar atrás ou sobre a tela, como de costume, ou emanar dela, mas, ao contrário, surgir diante dela, justamente como se viesse de uma rampa de teatro ou, o que dá no mesmo, diretamente do projetor; seja como for, é ainda à emulsão que devemos nos remeter, ou, antes, à célula nervosa de Raoul Coutard, dado que é sempre em termos de luminosidade, iluminação, contraste, ângulos de incidência e reflexão que se formulam, aqui, as ideias, em termos de uma visão em que mesmo as palavras se imprimem. Não surpreende, portanto, que A Chinesa seja, em conjunto, o filme mais plástico e mais político de Godard.
O que todo filme sugere timidamente a seu espectador, de ler suas imagens, A Chinesa demanda mais expressamente: a imagem é para ser lida, e não há nada nela que não seja para ler, nada que possa ser lido não estando lá. Ler a imagem – ou, melhor, decifrá-la como um texto manuscrito percorrido pela primeira vez – não é nem interpretar seus signos, nem decodificar suas cifras, nem analisar seus “pré” ou “pós”-supostos. Trata-se, antes, do soletrado paciente, plano a plano, marca a marca, de seus “constituintes” – mas com a nuance de que é ela mesma que constitui seus constituintes, que os torna visíveis, os manifesta. A partir de um tal reconhecimento – operação de natureza mais científica que crítica – dos fatos da imagem, pode se constituir uma segunda leitura, mais global, crítica.
Mas há uma literalidade da imagem à qual deve se conformar, antes de mais, todo comentário literário de imagens. Se a imagem é menos o que é mostrado do que o que mostra, é porque ela não é lugar, como se tenta acreditar por conforto, mas ato; é também porque ela engaja mais do que é engajada, e porque não há nada na imagem se já não há nada sem ela. Essa imagem absoluta, que basta em si mesma e não entrega outra realidade além da sua, como poderíamos querer que ela carregue ou encerre significações que não sejam ela? Digamos, antes, que ela as alimenta, como uma presa a um vampiro.
Se pensar a linguagem não é “confundir as palavras e as coisas”, ler o cinema não é confundir fatos de imagem e fatos de existência, objetos fílmicos e objetos políticos. Se (como parece fazê-lo Philippe Sollers) acusarmos Godard, por exemplo, de opor, em uma mesma cena de filme, uma personagem fictícia (Véronique Supervielle) a uma personalidade real (Francis Jeanson), é porque supomos possível a coexistência, no próprio interior do filme e da matéria cinematográfica, de duas ordens de realidade, uma imaginada e outra documental. Mas, diante de Véronique, Francis Jeanson nunca é mais do que uma imagem em uma imagem, que se refere apenas a ela mesma, é em si mesma sua única e total realidade, sendo tanto ficção quanto documento. Em A Chinesa, a imagem de Francis Jeanson é, durante seu tempo de exposição, toda a realidade material da abstração chamada “Francis Jeanson”.
Ficção e documento, imaginário e real, onirismo e realismo, todas essas dicotomias cômodas pelas quais o discurso sobre o cinema não cessou de passar, certos filmes (recentemente Quando Duas Mulheres Pecam, A Bela da Tarde, O Homem da Cabeça Raspada, O Fofoqueiro, Jaguar ou este) nos convidam a evitá-las: falemos do cinema tomando como única realidade do filme o próprio filme – sem referência a qualquer realidade exterior que seja. O que é visível e audível (legível), qual seja, cinematograficamente.
E quanto às imagens de A Chinesa, elas não descrevem uma realidade nem uma ficção políticas; elas são essa realidade ou essa ficção: melhor, elas as fazem. A forma, em Godard, precede a formulação. Assim, longe de a política estender sua armadilha sobre o filme, ela nasce e se desdobra em seu interior tal como outras aventuras formais, ela se move plasticamente, e sem dúvida escaparia rapidamente do filme se o esquadro dos eixos, a retidão dos ângulos, a intensidade das cores, a certeza dos movimentos, a lógica dos raccords, a decupagem plano a plano, classe a classe, sistema a sistema, não pusesse tão honestamente os pontos nas imagens.
Originalmente publicado em: Cahiers du cinéma, nº 194, outubro de 1967.