As Sessões Especiais nesta edição foram compostas por produções internacionais contemporâneas e destaques brasileiros. Alguns filmes estrangeiros de produção recente – finalizados nos dois últimos anos – aparecem como trabalhos consistentes de pesquisa, tanto no que dizem respeito às realidades filmadas quanto em relação às formas como a imagem precisa se transformar diante do que acontece durante as filmagens. Assumindo a incompletude do recorte mas seguindo a força destes trabalhos incontornáveis, apresentamos três filmes de localidades diferentes que nos surgem como exemplos vigorosos de uma produção engajada no mundo, não porque nos informam ou emitam opiniões acabadas, mas porque assumem a escuta e se deixam perfurar, ao longo do processo, pela dimensão inalcançável das questões pelas quais são movimentados.
Também assumimos o compromisso com questões de uma contemporaneidade que não se restringe ao debate cinematográfico – embora esteja imersa na questão da imagem – mas que diz respeito às relações que se criam na produção dos filmes. Com isso, as Sessões Especiais são um espaço de construção de afinidades e alargamento de possibilidades, destacando filmes que atravessam tempos históricos, ou são construções bem recentes que dialogam de maneira especial com o forumdoc.bh.
Assim, ao deixarmos de propor um mapeamento mais amplo da produção internacional, por contingências várias, programamos nesta edição uma seleção enxuta de filmes que abriga obras diversas em suas proposições formais e confluentes quanto à qualidade alcançada frente às experiências históricas abordadas por meio do cinema. São produções visivelmente construídas e ancoradas em relações profundas com os universos ou as pessoas filmadas: seja a cosmologia Ayoreo em EAMI, de Paz Encina (Paraguai); o imigrante e documentarista de sua vida tornado co-realizador em Xaraasi Xanne (França/Mali, de Bouba Touré e Raphaël Grisey) ou a comunidade cabo-verdiana e angolana em Portugal (Alcindo, de Miguel Dores).
Quanto aos filmes brasileiros que compõem as sessões especiais, o forumdoc.bh é uma longa construção coletiva e feita de alianças históricas, afetivas e marcadas pela admiração a certos projetos cinematográficos e existenciais. Sendo assim, reconhecemos que alguns filmes não poderiam ser vistos apenas como parte de uma produção contemporânea cada vez mais prolífica, mas se inscrevem num arco duradouro de alianças, amizades e parcerias. Seja em filmes que se voltam para comunidades e temáticas caras ao pensamento político e cinematográfico defendido pelo festival, como o curta Tambu, realizado no Quilombo do Matição - MG, Lá nas Matas tem, produção fílmica resultado do programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG, e o longa de Thiago B. Mendonça acerca do universo do samba paulistano em Curtas jornadas noite adentro, ou com cineastas que já marcaram presença em edições anteriores, como Takumã Kuikuro (com o curta Território Pequi), Ana Vaz (É noite na América) e Gabriel Martins (Terremoto); seja com projetos estéticos e políticos de realização que admiramos e procuramos seguir como faróis, como o Vídeo nas Aldeias, capitaneado por Vincent Carelli, de quem exibimos aqui o imprescindível Adeus, Capitão.
Destacamos também as homenagens a dois grandes mestres que partiram este ano: é o caso de Geraldo Sarno, que nos deixou após realizar essa obra-prima que aqui partilhamos em sua primeira sessão em sala de cinema na cidade, Sertânia (2020), e o teórico e realizador Jean-Louis Comolli, cujas inspiradoras proposições acerca de o que pode o cinema documentário seguirão nos atravessando nos anos porvir.
Indicamos aos leitores e agradecemos aos autores dos textos publicados neste catálogo, em torno a filmes programados nas Sessões Especiais: “Dos reencontros: teses sobre o conceito de história” (André Brasil), “Adeus, Capitão e a Trilogia do Martírio de Vincent Carelli” (Cíntia Gil), ambos sobre o filme de Vincent Carelli e Tita, além de “O samba tem feitiço” (Pedro Aspahan) em torno de Curtas jornadas noite adentro de Thiago B. Mendonça.