D.E.: Gostaria de fazer-lhe uma pergunta simples: que é
um mito?
C.L.-S.: Não é uma pergunta simples, é exatamente o
contrário, porque se pode respondê-la de vários modos. Se
você interrogar um índio americano, seriam muitas as
chances de que a resposta fosse: uma história do tempo em
que os homens e os animais ainda não eram diferentes.
Porque, apesar das nuvens de tinta projetadas pela tradição
judaico-cristã para mascará-la, nenhuma situação parece mais
trágica, mais ofensiva ao coração e ao espírito do que a situação
de uma humanidade que coexiste com outras espécies
vivas sobre uma terra cuja posse partilham, e com as quais
não pode comunicar-se. Compreendemos que os mitos se
recusem a tomar esse defeito da criação como original; que
vejam em sua aparição o acontecimento inaugural da
condição humana e da sua fraqueza.
Há três filmes guarani na mostra contemporânea brasileira desta edição do forumdoc.bh.2017: Naquele tempo todos eram gente (Aline Baiana, RJ, 2016); Piragui - a dona dos peixes (Luiza Calagian, SP, 2016); e Tekohá - o som da terra (Rodrigo Arajeju e Valdelice Veron, Brasília, 2017). Mas os filmes indígenas, na temática e até na produção, inscritos para a mostra foram muitos. Na maioria, expunham sua reivindicação de respeito aos direitos mínimos: territoriais em primeiro lugar, pois a restrição deste acarreta outras restrições, de saúde, de alimentação, de autonomia econômica e política. Por esta amostragem, vemos que os indígenas, de modo geral, respondem a uma situação de guerra: são perseguidos como inimigos (como bem exibe o filme Martírio com os Guarani Kaiowá) apenas porque não desejam e nem se vocacionam para o projeto do Estado.
Os três filmes guarani da mostra (há, na mostra contemporânea brasileira, outros filmes indígenas não-guarani) são, por felicidade do acaso, exemplares de cada um dos subgrupos guarani que residem atualmente sobre o território do Brasil, quais sejam, os Kaiowá, cerca de 31 mil no Brasil, em sua maioria no estado do MS, representados pelo filme Tekoha - o som da terra; os Mbyá, cerca de 7mil, espalhados pelo litoral sul e sudeste e no interior do Tocantins, representados pelo filme Piragui - a dona dos peixes; e os Ñandeva, cerca de 13 mil vivendo ao sul do Brasil, nos estados RS, SC, PR, MS e SP, representados pelo filme Naquele tempo todo eram gente. A população guarani é uma das maiores populações indígenas no Brasil. Juntos, os subgrupos Guarani Kaiowá, Ñandeva e Mbyá, de acordo com as fontes da SESAI – nas quais nos apoiamos para os números anteriores – somam cerca de 51 mil pessoas. Mas se nos fiamos na fonte do Mapa Guarani Continental (acessível também no pib.socioambiental.org), esta soma chega a cerca de 85 mil Guaranis. Lembremos que no Brasil existem cerca de 300 povos indígenas, falantes de cerca de 270 línguas diferentes (conforme a pesquisa IBGE 2010-2017). Assim, além dos Guarani, apenas mais meia dúzia de povos indígenas ultrapassa vinte mil pessoas no Brasil (os Tikuna, com cerca de 53 mil; os Kaigang, com cerca de 46 mil; os Makuxi, com cerca de 33 mil; os Guajajara, com cerca de 28 mil; os Terena, com cerca de 26 mil e os Yanomami, com cerca de 23 mil). Nove outros povos indígenas têm sua população na casa das dezenas de milhares (Xavante e Potiguara têm cerca de 18 mil pessoas; Kokama e Munduruku têm cerca de 14 mil; Sateré, cerca de 13 mil; Huni Kuin e Baré, cerca de 11 mil; Apurinã cerca de 10 mil). Os demais povos indígenas no Brasil têm poucos milhares, ou centenas, ou dezenas, ou até unidades de pessoas como todo seu universo de "parentes" (como se pode ver no filme Piripkura que abre este festival). Assim, os Guarani são um dos povos indígenas mais expressivos no nosso país. Ou, pelo menos, deveriam ser, já que foram um dos mais resistentes aqui, desde a invasão pelos europeus. Mas o que sabemos sobre eles? Quase nada. Se o tríptico guarani da mostra não vêm tapar essa lacuna, ao menos, vem apontar exemplos da ontologia guarani.
Como se lê na epígrafe deste texto, Lévi-Strauss responde, numa entrevista concedida a Didier Eribon, à pergunta "o que é um mito?". Pois bem, a história narrada pelo filme Naquele tempo todos eram gente é um mito tal como colocado por Lévi-Strauss. É uma história do surgimento do pássaro bacurau e, sendo assim, é uma versão da história de como os animais e os humanos passaram a existir, tal como existem hoje, isto é, como seres que deixaram de se comunicar. O mito do pássaro bacurau conta como ele tornou-se o que é hoje, desde um passado em que fora humano. Esta transformação é o ponto culminante no mito ñandeva narrado no filme. Mas, antes, esta versão passa pela narrativa de uma outra história. A história de Kuarahy, o Sol, e Djasy, a Lua. Este ponto é muito interessante, pois ele mostra como esta outra história é quase incontornável, para situar o tempo, os personagens, o mundo do mito guarani.
Esta outra história trata-se de um dos mitos mais difundidos na América do Sul, a história dos gêmeos extraordinários¹. As versões tupi-guarani são as mais conhecidas, mas este mito, em suas variadas versões (inclusive, a contada pelos Tupinambá da costa, desde a época da invasão europeia, que exibe Maira e Mucura no papel dos protagonistas), ultrapassa os narradores tupi e chega a outras famílias linguísticas, aruak (Apurinã) e caribe (Ye'kuana), por exemplo. A história dos gêmeos extraordinários começa com uma mulher. A história fala da trajetória da primeira mulher na terra (ou da mulher solitária, caminhando sozinha na mata). Esta primeira mulher ou esta mulher solitária é uma mulher grávida, abandonada pelo pai de seus filhos (um demiurgo, um criador, um transformador, ou um transgressor). No mito narrado no filme trata-se de Nhanderu ete. A versão ñandeva coincide com as demais versões tupi-guarani ao contar que os filhos, por serem criaturas sobre-humanas, podem conversar com a mãe ainda no ventre. Os filhos prometem guiar a mãe ao encontro do pai. Mas por um engano (a má escolha), a mulher enfurece seus filhos, os deixa magoados consigo. Estes, então, recusam-se a voltar a falar com ela. Sem a orientação dos filhos, a mulher se perde. Duplamente "abandonada", abandonada e perdida, ela segue sua busca. Outro engano (uma segunda má escolha) a faz tomar uma trilha errada e ela termina na casa de inimigos vorazes. Chega à aldeia do povo dos jaguar eté, as onças verdadeiras. A mulher é recebida por uma velha onça, que estava sozinha na aldeia. A velha a escuta e a esconde sob um cesto (ou um pote de cerâmica, dependendo da versão) para que os jaguaretês, seus filhos e netos, não encontrem a mulher. Mas os jaguaretês, de volta à casa de uma longa caçada, mesmo não vendo a mulher, são capazes de sentir seu cheiro. Eles a encontram e a devoram. Porém, os filhos que carregava no ventre, sendo filhos de Nhanderu eté, escapam de serem devorados. São, então, criados pelo povo dos jaguares, adotados pela velha onça como se fossem seus netos. Portanto, os gêmeos são criados pelos devoradores de sua própria mãe. Quando descobrem que passaram a vida enganados, os gêmeos revoltam-se e planejam vingar-se. Criam um lugar cheio de fartura, com muitos frutos e animais de caça. Mas colocam este lugar cercado por um grande rio. Por cima da água do rio, atravessam um tronco, como uma pinguela, qualquer pau que sirva de ponte (ou uma jangada, como na versão ñandeva do filme). Convidam, então, os jaguares a atravessar por este pau instável. Combinam entre si que fariam o pau virar, enquanto os jaguares estivessem atravessando para lançá-los n'água, matando-os afogados ou devorados pelas criaturas monstruosas da água que também haviam criado para dar cabo das onças. Entretanto, o plano não tem sucesso absoluto, pois um dos gêmeos não cumpre o combinado. A ponte não se revira totalmente e algum jaguar eté sobra (na versão do filme é uma fêmea, grávida) consegue escapar, saltando para a margem do lugar criado. A história dos gêmeos conclui que, a partir de então, jaguares e humanos viveriam sobre a terra, mas seguiriam como inimigos. Enfatiza o abandono da mulher, a devoração dela por inimigos, a criação dos filhos pelos devoradores da mãe e a vingança consecutiva dos filhos, donde a futura separação entre seres de natureza irreconciliável.
Mas o mito narrado em Naquele tempo todos eram gente segue daí e desemboca no surgimento de Urutau. Como se ligam estas partes? O que a versão do filme especificaria?
O mito ñandeva segue depois da vingança com os gêmeos, neste caso, Sol e Lua (Kuarahy e Djasi), criando para si uma "irmã", para que não se sentissem, eles mesmos solitários (abandonados), na terra. Mas sabiam que deveriam partir para o patamar celeste em busca de seu pai. Sabiam que deixariam novamente uma mulher sozinha (abandonada) na terra. Então, para que ela não penasse de saudades depois da partida deles para o céu, os irmãos transformaram-na no pássaro Urutau. Por isso, este pássaro vive chorando seu canto noturno aos céus, cantando com saudades dos que lhe abandonaram na terra e seguiram para viverem sua vida de astro no patamar celeste.
As análises feitas por Lévi-Strauss, sobretudo num volume especialmente dedicado às aparições míticas desse pássaro – A Oleira Ciumenta –, esclarecem que o sentimento ao qual o Urutau (e seus variantes, bacurau, coruja) está associado é o ciúme. Em todo caso, seja ao sentimento de ciúme, seja ao de saudade, o canto melancólico do pássaro noturno diz respeito ao fato dele ter restado abandonado na terra, depois de participar de um conflito que tem lugar entre pessoas primordiais de sexo cruzado: um conflito conjugal ou, como no filme, um conflito entre irmãos de sexo oposto, os irmãos masculinos e a irmã feminina.
O "mitema" a ser considerado na junção ou desdobramentos da história de Naquele Tempo Todos Eram Gente é, enfim, a condição de abandono, ou melhor, a condição de abandonados dos humanos nos tempos atuais. Os humanos atuais são aqueles que restaram na terra, como a mulher humana do mito, depois da partida do demiurgo para o céu², ou da mulher pássaro urutau depois da partida de seus irmãos, astros celestes, para o céu. A partida dos sobrenaturais para o patamar celeste é o fato que desencadeia a separação entre os próprios patamares celeste e terrestre (antes, indiferenciados) e, assim, também a própria diferenciação entre os regimes do tempo primordial – aquele no qual os seres eram "comunicantes", trans-específicos, participando de uma humanidade indiferenciada de fundo – e do tempo atual – este em que os humanos e animais, assim como todos os seres, passaram a se distinguir uns dos outros em espécies irreconciliáveis.
"É por isso que Urutau canta um lamento quando o sol se põe. Urutau chora quando o irmão vai embora, ele canta. Canta para que seus irmãos o escutem", diz a parte final do mito no filme. Nesse ponto exato, o filme corta da narrativa mítica para sua atualização: o quadro é tomado em áudio e vídeo pelo momento em que a polícia retira à força os jovens assentados no chão. O que eles querem? Garantir que Urutau Guajajara fique pendurado no seu posto, pendurado no alto da árvore, e possa seguir cantando para seus irmãos, no céu, em nome de seus irmãos, seus parentes, nessa terra: "Fora Cabral!", "Resiste Aldeia!", cantam os abandonados da vez!
Piragui - a dona dos peixes também nos dá a ver (como no filme acima mencionado) a história de uma transformação, tal como prevista numa narrativa mítica. A história aqui é a de uma mulher (atual) e sua "quase-transformação" em peixe. Esta história é que se deixa ver em paralelo com a história mítica Mbyá de Piragui, a dona dos peixes. A história mítica entretanto põe em cena um homem que faz um acordo com a dona dos peixes, o mito conta como, para receber uma quantia suficiente de peixes, um homem precisa conceder algo em troca. Ele mesmo se dará a ela em troca dos peixes ofertados. O mitema aqui é o da dádiva (em vez do abandono). Congruente com a transformação do mitema (do abandono dos humanos pelos deuses para a reciprocidade dos humanos para com os animais), o foco do mito Mbyá, do filme Piragui passa para as relações entre humanos e infra-humanos (em vez de situar as relações entre humanos e sobre-humanos, como no mito ñandeva anterior); passa a situar o conflito no patamar inferior, subterrâneo, subaquático (em vez do patamar superior celeste). Passa para a trajetória de um homem submetido aos favores dos animais, ou dos espíritos-animais, donos de animais (em vez da mulher abandonada pelos deuses). Mas a relação entre o mito e a vida, ou seja, entre a potência virtual e a atualização do mito segue em Piragui. Mais do que isto, Piragui é um filme que dialoga com outros filmes indígenas, como Hipermulheres ou O Cheiro do Pequi, que apostam na encenação do mito, em contraposição, ou melhor, em composição com um "quase-acontecimento", que é uma (quase) atualização do mito na vida das pessoas particulares. Dito de outra forma, a história desses filmes conta como se passaria a um "acontecimento total", caso as pessoas atuais (os protagonistas) se comportassem cabalmente como no mito. As narrativas dessa "tradição" vêm, portanto, demonstrar justamente como seria a história atual das pessoas se o mito não fosse ouvido. Enfim, estes filmes desvelam como o plano do "mito" e o plano da "história" estão em continuidade na ontologia ameríndia.
Em Tekoha - o som da terra, o terceiro filme do nosso tríptico guarani, estamos entre os Kaiowá, e sob uma perspectiva mais declaradamente política desta ontologia. Temos outra vez uma história da mulher abandonada. Mas aqui este abandono aparece como que redobrado em dois planos, pois se trata das mulheres atuais, de fato (novamente), abandonadas. E ainda não apenas abandonadas sobre a terra, mas sob um desterro. Desdobradas ainda no plano da quantidade, pois vemos ao menos três gerações de mulheres kaiowá que viram seus homens serem mortos, restando elas sozinhas, mulheres entre si. Ainda, novamente, mulheres abandonadas com suas crianças. Mas além de tudo, mulheres, com seu poder de cura, com sua capacidade de transmissão da vida e dos conhecimentos ancestrais, ligados à sua condição terrana. Enfim, mulheres com sua potência de guardiãs da vida nesta terra. As mulheres kaiowá estão sós (como no mito), enquanto passam sua estadia na casa dos inimigos, pois estão entre cercas, tratores, monocultura, numa terra nua, sem mata, e entre tiros e arma de fogo. Mas esta terra devastada e ocupada hoje pelos inimigos, fora antes, a terra delas, seu lugar de parada, como garantem as sepulturas dos seus. Então, é nessa paisagem devastada que as mulheres kaiowá fazem soar seus instrumentos femininos sagrados (seus takuapu), batendo-os justamente no solo fazendo a terra clamar com elas. Elas cantam, elas dançam, elas rezam. As mulheres realizam a vida de (r)existência nessa terra, realizam, mesmo que entre devaneios sonâmbulos e pesadelos insones, seu tekoha pe, seu lugar onde se vive o bem viver, tal como ensinaram as belas palavras dos ancestrais. "Aqui seremos um dia felizes", elas prometem e esperam que as belas palavras se cumpram, como no mito.
Este nosso "tríptico", além da natureza indígena e do ar de família (guarani), nos apresenta então um aspecto particular da cosmologia guarani: a potência das atualizações míticas na vida cotidiana das pessoas.
Num trabalho em preparação, e em consonância com os argumentos de André Brasil e Bernard Belisário (2016) escrevemos que o cinema indígena compõe-se numa relação específica e incontornável entre as ordens do "campo" e do "extracampo". A primeira ordem seria aquela que a maioria de nós, não-indígenas, é capaz de acompanhar minimamente, como aquilo que se passa na cena, no quadro, como o conteúdo aparentemente tecido pela trama narrativa do filme. A segunda, a ordem do ante ou extracampo é aquela que carrega a narrativa fílmica com as potências virtuais (do mito, e da cosmologia). Esta relação se nos parece imperceptível, é porque remete aos pressupostos ontológicos indígenas (sua cosmopolítica), frequentemente, completamente, desconhecidos por nós. Não se trata, então, de conceber-se o "campo" como a ordem de expressão do "visível", ao passo que o "ante ou extra-campo" seria a ordem de expressão do "invisível". Pois pode haver no "campo" componentes invisíveis: a presença dos mortos, por exemplo, em suas sepulturas, ou no som do instrumento sagrado feminino fazendo vir do chão o som da terra (em Tekohá - o som da terra); ou na presença dos espíritos-animais primordiais, reencenados em Piragui, ou na voz da mulher narradora em todos os filmes do tríptico. Assim como entes invisíveis podem estar também no ante-campo, como a consciência coletiva que pensa Piragui como a dona dos peixes, ou o devir-peixe da mulher, ou na condição de abandonados dos humanos na terra. Mas é justamente a relação necessária entre estas ordens (uma relação de oposição inclusiva, analógica e gradual, ente a narrativa evidente e os pressupostos ontológicos) que determina a natureza do cinema indígena.
Nesse tríptico guarani, esperamos ter tornado um pouco menos imperceptível que a relação entre as ordens do campo e do ante-campo está para o cinema indígena, assim como a relação entre a ordem da mitologia e da história está para a ontologia indígena. Os termos são mutuamente inclusivos e tendem um ao outro num equilíbrio instável. Finalmente, que no cinema ou na ontologia indígenas, não há uma narrativa histórica sem uma narrativa mítica, e vice-versa.
Currículo
Renata Otto
Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ e doutoranda pelo PPGAS da UNB. Foi antropóloga da FUNAI, atuando nas coordenações de delimitação e demarcação de terras e proteção aos índios isolados. Co-dirigiu, com Isael Maxakali e Sueli Maxakali, o filme Quando os Yãmiy vêm Dançar Conosco (2012). Integra a Filmes de Quintal.
Como citar este artigo
OTTO, Renata. Um Tríptico Guarani: exemplos de um cinema indígena. In: forumdoc.bh.2017: 21º Festival do filme documentário e etnográfico – fórum de antropologia e cinema. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2017. p. 218-225 (Impresso); p. 220-227 (On-line).
Notas
[1] O motivo da gemelaridade dos irmãos demiurgos ameríndios foi tratado por Lévi-Strauss especialmente no último volume das "pequenas" Mitológicas, uma trilogia escrita em paralelo e posteriormente aos quatro volumes principais, quais sejam: O Cru e o Cozido, Do Mel às Cinzas, A Origem das Maneiras à Mesa e O Homem Nu. Esta trilogia está composta, por sua vez, pelos títulos A Oleira Ciumenta, A Via das Máscaras e Histórias de Lince. Este último trata especialmente da teoria da gemelaridade impossível, e do clinâmen filosófico no pensamento ameríndio. Ou seja, evidencia o valor concedido à diferença e à alteridade, ao passo que recusa a possibilidade da identidade durar.
[2] Um exemplo araweté, tupi-guarani, detalhado na tese de Eduardo Viveiros de Castro sublinha esta condição: "Os humanos se definem no contexto desta separação [diferenciação entre as camadas ou suportes que hoje compõem o universo] como aqueles que foram deixados para trás, ‘os abandonados’. Antes disso, os homens e os futuros deuses viviam em comum na terra – um mundo sem trabalho e sem morte, mas também sem fogo e plantas cultivadas. Então em consequência de um insulto que ouviu de sua esposa, a divindade Aranami resolveu afastar-se, agastado com os homens" (Viveiros de Castro, 1986, p. 184).
Referências
BRASIL, André e BELISÁRIO, Bernard. "Desmanchar o cinema: variações do fora-de-campo em filmes indígenas". In: Sociologia e Antropologia. v6. n3. Rio de Janeiro: PPGAS/UFRJ, 2016.
LÉVI-STRAUSS, Claude e ERIBON, Didier. De perto e de Longe. Rio e Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Arawetê, os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.