Uma história do vídeo lésbico-feminista: entrevista com Rita Moreira

Rita Moreira é jornalista, escritora, produtora de vídeos, lésbica e feminista. Em 1972, mudou-se para Nova Iorque com sua então companheira, a cineasta Norma Bahia Pontes. Lá, produziram a série de vídeos Living in New York City, dentro da qual se destacam os títulos Lesbian mothers (1972), She has a beard (1975) e The apartment (1975), premiados internacionalmente. A experiência de Rita e Norma em Nova Iorque foi atravessada pelo vídeo e pela lesbianidade. 

Conheci Rita Moreira quando eu desenvolvia meu trabalho de conclusão de curso² de graduação em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Contatei Rita por e-mail para marcarmos uma entrevista. O encontro ocorreu em abril de 2019. Antes da entrevista, na televisão da sala de seu apartamento, ela exibiu o último documentário que havia produzido, Ti-Grace Atkinson: uma biografia de ideias (2019). Previamente, eu havia elaborado um roteiro com algumas questões, mas, em muitos momentos, Rita se expressou livremente. Essa e uma segunda entrevista, realizada em julho de 2020, foram fonte e objeto de análise da minha dissertação de mestrado, cujo título é Um gato sem rabo e outras histórias lésbicas: a história de vida e a produção de vídeos de Rita Moreira (2023). Essa pesquisa teve como objetivo a análise da história de vida e da produção de vídeos de Rita Moreira entre os anos de 1972 e 1975, abordando sobretudo questões relacionadas ao pensamento feminista e lésbico.

A entrevista aqui publicada foi registrada em áudio e em vídeo, com captação de Leo Zerino. Essa entrevista só ocorreu graças ao projeto “Mulheres de Luta: feminismo e esquerdas no Brasil (1964-1985)”, que, financiado por edital da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), proporcionou a viagem de pesquisa na qual pude entrevistar Rita. Além da Capes, gostaria de agradecer ao Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH) da UFSC e à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), que financiou minha pesquisa. A entrevista na íntegra encontra-se no acervo do LEGH.

Alina Nunes (AN): Bom, obrigada de novo por me receber. Geralmente a gente começa as entrevistas perguntando: você se considera feminista e como, quando isso aconteceu?

Rita Moreira (RM): Claro que eu sou feminista, óbvio que eu sou feminista. Eu não entendo como alguma mulher pode não ser feminista. E eu conheço alguns homens, não são muitos, que podem ser considerados feministas. Mas eu comecei, primeiro... Bem, a Simone de Beauvoir realmente me salvou a vida. Eu devia ter uns 16, 17 anos quando li O segundo sexo, e aí me salvou a vida das angústias, das coisas que eu tinha. Então acredito que eu já era feminista, mas só fui entrar mesmo no movimento depois do movimento gay. Eu entrei primeiro no movimento gay, em Nova Iorque, e depois no feminismo. Também por causa de umas idas a Paris, contato com o MLF, Mouvement de Libération de Femmes³, e claro que sou feminista. Minha mãe também era feminista. E acho que até a minha bisavó, embora não se dissesse feminista, também era feminista. 

AN: Uma pergunta mais aberta: como foi a tua vivência durante a ditadura? Entre 1964 e 1985? 

RM: A ditadura foi horrível. Eu conheci os horrores da ditadura durante alguns anos, porque em 1972 fui embora e só voltei em 1980. Eu trabalhava na Editora Abril, e cada andar tinha um espião – a gente já sabia quem era o espião. E a minha mãe era muito engajada na resistência. Eu fazia aquela resistência habitual, porque naquela época não havia dúvida sobre quem era pró e quem era contra. Lembro de uma ocasião, uma época, em que estava piorando a ditadura, e teve aquela questão de Ibiúna⁴, sabe? 

AN: Em 1968...

RM: Prenderam as moças todas de Ibiúna. E aí minha mãe diz... Porque a minha mãe fazia aquela mélange de Mao Tsé Tung com Jesus Cristo – ela tinha os dois ideais. A Revolução Chinesa era bem-vista. A minha mãe ligou para mim e disse que, se até certa hora não ligasse, era para eu ligar para não sei que número. Lembro dela dizendo: olha, agora a coisa piorou tanto que estamos todos juntos: partido comunista, partido socialista. Ela era ligada às católicas. Ela me disse que tinham perguntado a ela: mas a sua filha não está na resistência? E a minha mãe disse: a minha filha faz a revolução dos costumes! É bom lembrar da minha mãe, porque ela era bem revolucionária. 

AN: Então, você não participou de nenhum movimento de resistência à ditadura?

RM: Não, só a minha mãe. Eu fui embora em 1972. Antes disso, eu tinha conhecido a Norma Bahia Pontes, que era uma grande... Ela faleceu. Era uma grande, grande cineasta. E eu lembro que eu fiquei... A primeira vez que eu vi um documentário foi na casa dela. Ela estudou na França, no IDHEC⁵, que é um instituto de cinema, o mesmo que o Resnais etc. Ela era daquela geração dos que falavam francês, dos cineastas daquele tempo. Ela trabalhava para a J.W. Thompson e a McCann Erickson, como diretora de filmes de publicidade. Ganhava muito bem, eu também ganhava bem, e a gente não aguentava mais aqui. Ela já tinha vivido em Paris, aí ela sugeriu que a gente fosse para Nova Iorque. Que lá em Nova Iorque estava surgindo o primeiro vídeo portátil...

AN: O Portapak?

RM: O Portapak! É... aí nós fomos e ficamos no total uns seis anos. Voltei uma vez. Lembro de nós duas olhando a lareira e chorando com a situação aqui. Fiquei só um pouquinho, visitando mãe e tal, e voltamos para lá. Só voltei em 1980. Houve duas ocasiões muito boas na minha vida. Foi a infância na fazenda da minha vó e os anos em Nova Iorque – foram os melhores pedaços da minha vida. 

AN: Como se iniciou o teu contato com o cinema? Você comentou da Norma...

RM: Cinema, não. A Norma fazia cinema. Eu nunca fiz cinema. Sempre vídeo. Muito diferente, vídeo e cinema.

AN: E a sua ida a Nova Iorque, você considera um autoexílio? Porque estava muito difícil... 

RM: Hum... Não sei. Autoexílio... Acho que foi mais uma busca. Uma fuga. Eu chamaria mais de fuga, e não de autoexílio. Fuga e busca. E foi, realmente – tinha uma coisa lá. Como ela diz no vídeo⁷, tinha uma euforia, uma coisa impressionante. 

AN: E lá começou tua experiência com vídeo?

RM: Começou com vídeo... O nosso curso não era um curso para iniciantes. Embora fosse um curso de vídeo, era para pessoas que já tivessem formação em outras áreas. Então o professor entrevistava para ver se nós íamos no de documentário ou no de videoarte. Nós duas, claro, fomos para o videodocumentário. E o primeiro vídeo que a gente fez, que eu fiz na vida, com Norma, foi escolhido pela escola para representar a New School For Social Research no primeiro Festival de Vídeo de Tóquio. 

AN: É o Lesbian Mothers?

RM: É o Lesbian Mothers. Era muito divertido. Dei aulas de vídeo aqui no Brasil. Tem duas coisas que eu achava bem fundamentais ensinar: uma era a abolir a ideia de que existe imparcialidade. Não existe imparcialidade em coisa nenhuma. O mundo nos bota numa situação em que você não pode ser imparcial. Então o que eu fazia era mostrar os inimigos, e... Ah, você perguntou o negócio do... Eu editava na Abril, então, quando eu e a Norma entramos na escola de vídeo, em Nova Iorque, ela já dirigia filmes, e eu editava textos. Acho que isso ajudou muito a gente a ter o nosso vídeo como o melhor, porque eu editava textos, e passei a editar textos no vídeo. A gente ganhou uma porção de prêmios. E o foco dos prêmios, muitos eram para a edição e também para a trilha. E a edição, eu já sabia editar... Eu edito de uma maneira a provar algo. O meu ponto de vista. Era sempre o nosso ponto de vista. E isso está errado? Eu não gosto de... Hoje em dia, tem muito isso... Eu não gosto que o entrevistador tenha uma importância extraordinária. Eu podia ler para você o que o Arlindo Machado escreveu. É o que ele diz, eu quero demonstrar uma coisa, em cada vídeo eu quero provar uma coisa. É na edição que eu provo, construo a coisa. Então, se você reparar, por exemplo, até a Dama do Pacaembu⁹, que é ela falando sem parar, eu editei tudo. Porque se não ficaria tão maluco que não faria sentido. Assim estou provando alguma coisa. Temporada de Caça¹⁰ começa com aquele horror, é aquele horror. De repente, a entrevista melhora, e quem fala as coisas mais inteligentes é um negro, é uma negra. E tudo isso é feito de propósito. 

AN: É o ponto de vista, né?

RM: É o ponto de vista. 

AN: Como pensar o seu ponto de vista como uma mulher brasileira lá em Nova Iorque, se misturando com aquelas feministas de lá? Você tem alguma consideração a fazer sobre isso?

RM: Isso é interessante. Eu e a Norma fizemos uma coisa realmente bacaníssima. Durante cinco dias, nós organizamos, no Soho, numa galeria chamada Open Mind, o “Mulheres para mulheres”. Veja: cinco dias. Filmes, fotografias, vídeos, só de mulheres, e só para mulheres. E foi o maior sucesso. Ao final, veio uma americana... Por mais maravilhosas e amigas que sejam, é uma coisa inata nelas. Como a gente aqui tem complexo de cachorro vira-lata, elas lá sentem uma superioridade nata. Essa americana me disse: “It’s amazing! How wonderful! You did better than a new yorker”. Beleza, né? Aí ela continuou: “How come, coming from so deep south...”. “Vinda do sul profundo”, como é que eu consegui fazer “melhor que uma nova-iorquina”? Você compreendeu? Esse comentário, que foi o maior elogio que eu já recebi e, ao mesmo tempo, a maior afronta, mostra um pouco a visão de superioridade pré-estabelecida. Duas vezes, quando perguntaram que língua eu e a Norma estávamos falando, a gente preferia dizer que era russo, porque soa muito parecido. E era melhor ser russa do que ser latino-americana nos Estados Unidos. 

O que é importante no vídeo, para mim... Eu defendo causas. Estou sempre defendendo causas. E tem uma construção, que vai sempre de baixo para cima. Mas isso tudo aprendi de tanto editar textos. Já ouviu falar da coleção Gênios da pintura¹¹? Eu editava, editava, editava milhões de coisas. Botava do tamanho que tinha que ser, entendeu? É diferente, mas é semelhante. O fato de eu ser uma editora de texto ajudou muitíssimo, e a Norma, que era diretora, fazia a câmera. 

AN: Ela passou da película para o vídeo quando vocês foram para Nova Iorque?

RM: É. Naquela época, que era tão mais complicada do que hoje, já era uma facilidade. Era muito divertido. Todos os meus vídeos são a defesa de um ponto de vista. E, ao mesmo tempo, denunciando. Mas é denúncia e defesa de um ponto de vista. Eu ganhei dinheiro fazendo vídeo aqui no Brasil. Depois a Norma ficou lá, depois a Norma morreu, e eu continuei a fazer vídeos. 

AN: Você participava de festivais de vídeo de mulheres?

RM: Ah, participei de um monte!

AN: E como eram essas trocas?

RM: Ah, não, mas eu não ia. Eu era tão ligada a Nova Iorque... Imagina. Hoje em dia eu iria. Eu e a Norma tivemos convite para ir... Principalmente nesse eu iria! Dinamarca... Fomos convidadas para ir a Dinamarca. Você acredita que eu não quis ir? Eu adorava ficar em Nova Iorque! Porque, nessa época, eu morei em muitos lugares em Nova Iorque. Acho que na rua 9 foi onde fiquei mais tempo. Eu sentia que estava no meio do mundo, que lá eu sabia tudo. Era tão bom. Caiu o Allende, uma semana depois, ou dez dias, mas muito rapidamente a gente foi convidada formalmente para ouvir a história da queda do Allende numa das salas da NYU para onde a gente foi a pé. Na rua 8, em Nova Iorque, a gente tinha esse tipo de experiências. E recebo aquele convite, e nós estamos, de repente, sentadas a essa distância, como daqui ali, da própria... Como era o nome dela? Da própria viúva... Depois tinha uma ministra de Economia contando como foi a morte do Allende. Eram várias mulheres da economia, e contavam como eles entraram, mataram, enfim. Era muito bom Nova Iorque.  

AN: E lá, você não participava de festivais?

RM: Não, a gente ficava gravando. A Norma ganhou uma bolsa da Guggenheim enquanto estávamos lá. Imagina que ela ganhou até Green Card e não se interessou, não quis ficar. Ganhou a bolsa da Guggenheim, que deu um dinheiro, aí nós imediatamente compramos o equipamento. Fizemos a série Living in New York City, que era... Eu não o conhecia, mas era parecida com uma coisa que um tal de Cavalcanti¹² – acho que era o nome dele – fazia em Paris. Um cineasta... Íamos fazendo e vivendo em Nova Iorque. Eu lembro de um dia que estávamos na rua gravando, estava nevando, e de repente a Norma para, abraça, recebe um abraço daquele ser que parecia um mendigo, porque ele estava com roupas inadequadas. Eram cachecóis e roupas enroladas. Eu digo: por que tanto ela abraça esse mendigo? Ela me diz: Rita, é o Glauber¹³! [risos]. Ele devia ter acabado de chegar, estava completamente sem um casaco adequado, porque é um frio... 

AN: Tá, deixa eu só voltar, deixa eu só entender… Vocês chegaram em Nova Iorque em 1972 e vocês conseguiram o aparelho de vídeo depois da bolsa da Norma.

RM: Logo a Norma ganhou uma bolsa da Guggenheim.

AN: E com aquele aparelho...

RM: Que nós fizemos tudo.

AN: Vocês fizeram tudo. Até vocês voltarem para o Brasil. Ela não voltou junto? Ficou em Nova Iorque?

RM: Não. Ela ficou um pouco, depois ela voltou também. Anos 1980, também. 

AN: E aí, chegando aqui, você continuou fazendo vídeo...

RM: Depois dos anos 1980, cheguei aqui... Continuei fazendo vídeo.

AN: Era mais freelance.

RM: Freelance, mas eu fazia também traduções. E lá também eu fazia matérias. Eu fazia matérias e mandava para cá. E a melhor matéria que eu fiz foi entrevistando uns fugitivos da guerra do Vietnã, para a revista Realidade, já ouviu falar?

AN: Aham! Interessante... E por onde os vídeos de vocês circulavam?

RM: Uh! Era uma maravilha... Eu tinha a lista das mostras. Depois eu parei de fazer a lista, porque já estava dando duas páginas. Principalmente, eram exibidos nas universidades. Aliás, fomos fazer palestras também. A gente fazia palestras sobre as amazonas... Nós fizemos uma firma, eu, Norma e nossa advogada, que é minha amiga até hoje. (AN: Como era o nome da firma?) Amazon Media Project. Mas essa firma não ganhava dinheiro nenhum, nem tinha dinheiro nenhum. Mas era uma Inc., incorporation. Nós mostramos trabalhos em muitas e muitas universidades – também mandamos para Paris e para o México, mas esses outros foram depois, eu já estava sozinha. E havia dois canais. Acho que já falei isso. Logo no começo, havia dois canais a cabo, que eram public TV, Cable TV e Manhattan TV. Os vídeos eram bastante exibidos mesmo. E havia o movimento gay e o movimento feminista, e havia os cursos de inglês nas universidades.

AN: O que eu mais penso é o diálogo do vídeo com o feminismo…

RM: Meus vídeos sempre serão feministas, porque eu sou feminista. O movimento existia nas ruas. Tinha outras coisas que não dá nem para contar, porque é daquela época. Aquilo que ela [Ti-Grace] falou sobre os homens, aquele separatismo. Passei cinco anos sem falar com homem nenhum. Eu sei que teve um amigo, ou uma amiga, que foi lá e que disse: “que coisa mais louca! O homem foi pedir orientação na rua para ela e ela virou a cara”. Acontece que em Nova Iorque dava para você ter motorista mulher, dava para ter encanadora mulher, tinha mulher que fazia tudo. E meu pai e meu irmão estavam aqui. 

AN: Vocês colocaram isso um pouco no The apartment¹⁴, né? 

RM: Então, você viu? Faz tudo, ela faz tudo.

AN: Foi pensando nisso que vocês fizeram o The apartment?

RM: Não, porque eu achei interessante ela fazer coisas que a gente nunca tinha visto. Eu falo cinco anos, mas talvez tenha sido um pouco menos, porque quando eu vim para cá... (AN: Teve que falar, né?). É. E a questão era... Aí, essa coisa do separatismo dessa época, de não falar com homem, era semelhante ao movimento negro – muitas coisas, aliás, foram inspiradas pelo movimento negro. O movimento negro também ficou separatista. Era fundamental que eles se separassem para você se enxergar sem a visão do outro que estaria sempre nos olhando. Aquilo que ela falou, só que a Ti-Grace falou no vídeo rapidamente, para a gente ver quem a gente é... Porque o homem está nos julgando sempre, ele é sempre superior. 

AN: A última pergunta que eu coloquei aqui é: qual é a tua relação pessoal, política, com lesbianidade?

RM: Uma das razões da Norma escolher Nova Iorque é que ela viu num jornal uma foto de uma mulher carregando um cartaz escrito: “I’m lesbian and I am proud”. Ela achou que era só aquela mulher e disse: “que mulher incrível! Que coragem!” E quando nós chegamos lá, aquele espanto, aquela multidão. Quando era para a gente escolher um material para fazer o vídeo, ela viu no Village Voice¹⁵ um anúncio de uma reunião de mães lésbicas num firehouse. Eu fui em cada baile! Em igreja metodista, gótica, enorme, aquele monte de mulher na igreja metodista, porque fazia parte alugar a igreja para baile de lésbicas. Mas no firehouse, lá fomos nós ver o que era aquilo – foi aí que decidimos que o tema seria lesbian mothers. Era uma reunião de mães lésbicas na casa dos bombeiros. Chegamos na casa dos bombeiros, aquele monte de mulher, mas um monte mesmo! Acho que umas 200. E aquele barulho de criança lá em cima. Nós começamos a pegar as personagens ali. Fomos lá em cima. Lá estava aquele monte de crianças que eram filhos das mães lá embaixo. E quem estava tomando conta das crianças? Os homens! Ficamos completamente assim... Por isso que eu disse, que entrei primeiro no movimento gay. Porque aqui também é necessário que as lésbicas fiquem mais feministas. Então, voltando às mães lésbicas no firehouse, a Norma diz: “meu deus, é isso que nós vamos fazer, nunca vi uma coisa dessas, que coisa mais extraordinária”. Pronto. É isso. 

AN: Mas sua família sabia que você é lésbica?

RM: A minha mãe sabia, se incomodava muito. Mas é só na volta... Na ida e na volta de Nova Iorque, porque lá, aquilo que você é, você fica. [risos]. Você se estabelece. E agora, estou muito influenciada pela Ti-Grace, pelas leituras, pela idade também. Eu tenho essa desconfiança... Nós precisamos examinar os sentimentos... Quem diz isso? É ela que diz isso? É preciso examinar os sentimentos, porque muitas vezes eles são contrarrevolucionários. Ou seja, o nosso desejo é a revolução.

Currículo

Alina Nunes

é mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui graduação em História (Licenciatura e Bacharelado) pela mesma instituição (2019). Atualmente, é professora de História na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Prefeitura Municipal de Florianópolis. Contato: alinanunes2@gmail.com

Notas

[2] Meu trabalho de conclusão de curso, “Vídeo popular, arma feminista: narrativas de mulheres nas décadas de 1970 e 1980” (2019), inicialmente, trataria sobre o coletivo Lilith Vídeo. A entrevista que realizei com Rita modificou a pesquisa, que abordou as narrativas de vida de Rita Moreira e Jacira Melo. 

[3] O Mouvement de Libération de Femmes (MLF) é um movimento feminista francês fundado em 1970. A criação desse grupo se deu no contexto de luta pelo direito à contracepção e aborto legal na França. 

[4] Em outubro de 1968, durante a ditadura militar, cerca de mil estudantes foram presos pelas forças repressoras do regime durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, interior de São Paulo. Pelo menos 200 mulheres estudantes, que tinham entre 18 e 37 anos, foram presas.

[5] IDHEC é Institut des hautes études cinématographiques, localizado em Paris, França.

[6] Em 1967, a Sony lançou no mercado mundial a primeira câmera de vídeo portátil com microfone embutido e visor eletrônico, a Portapak. Essa câmera marcou a história do cinema, pois permitia a mobilidade do cineasta, além de baratear os custos de produção. 

[7] Refere-se ao vídeo Ti-Grace Atkinson: uma biografia de ideias (2019), documentário realizado por Rita Moreira. Ti-Grace Atkinson nasceu em Baton Rouge, em 9 de novembro de 1938. Mudou-se para Nova Iorque em 1967. Simone de Beauvoir sugeriu que Ti-Grace entrasse em contato com Betty Friedan, e, após fazê-lo, integrou o National Organization for Women (NOW), mas rompeu com a organização em 1968 e passou a integrar grupos feministas radicais. Rita e Ti-Grace são amigas de longa data, desde os anos 1970 até os dias de hoje.

[8] Lesbian Mothers (1972) foi o primeiro vídeo realizado por Norma e Rita. Com uma duração de 27 minutos, o vídeo consiste em entrevistas com mulheres que abordam temas relacionados à maternidade lésbica, incluindo a custódia dos filhos, a aceitação familiar e as experiências de violência lesbofóbica enfrentadas por elas.

[9] A Dama do Pacaembu (1980) é um vídeo realizado por Maria Luísa Leal e Rita Moreira, que retrata a vida de uma mulher em situação de rua na avenida Pacaembu, em São Paulo, abordando temas como moradia, dívida externa, casamento e a condição das pessoas em situação de rua.

[10] Temporada de Caça (1988) foi realizado por Rita Moreira e explora as narrativas em torno dos crimes homofóbicos ocorridos em São Paulo no final da década de 1980, destacando o assassinato de Luís Antônio Martinez Correa, irmão do dramaturgo Zé Celso Correa. O vídeo aborda o ódio e a violência contra os homossexuais na sociedade brasileira do período. 

[11] A coleção de livros “Gênios da Pintura" foi uma série de publicações da Editora Abril que consistia em livros dedicados à obra de pintores famosos, geralmente europeus. Cada livro era uma monografia ilustrada sobre um artista específico, destacando sua vida, técnicas, estilo e principais obras.

[12] Rita provavelmente se refere a Alberto Cavalcanti (1897-1982), cineasta brasileiro que construiu sua trajetória na Europa, focando principalmente na produção de documentários.

[13] Trata-se de Glauber Rocha, cineasta brasileiro conhecido por suas contribuições ao movimento do Cinema Novo, que estava exilado em Nova Iorque desde 1971. Norma Bahia Pontes e Glauber Rocha se conheciam, pois ambos contribuíram com a consolidação movimento do Cinema Novo no Brasil, ainda que sejam raras as pesquisas que marcam a presença de Norma nesse movimento. Destaco a pesquisa de Lívia Perez de Paula sobre a trajetória de Norma Bahia Pontes, Encontros e reencontros com Norma Bahia Pontes - realizações, deslocamentos e interlocuções de uma cineasta, videomaker e ensaísta (2022). 

[14] The Apartment (1975) é um vídeo de Rita Moreira e Norma Bahia Pontes que retrata a rotina de Carol Grosberg, uma dramaturga lésbica que trabalha como taxista em Nova Iorque. 

[15] The Village Voice foi um jornal independente e alternativo de Nova Iorque, fundado em 1955, e que terminou em 2018.